Brandon Staglin nas vinícolas de Rutherford, Califórnia.
Brandon Staglin perdeu o contato com a realidade pela primeira vez no verão de 1990 após entrar na faculdade. Seu primeiro relacionamento sério tinha acabado. De volta a sua casa na Califórnia (EUA), ele estava lutando para encontrar um emprego temporário durante o verão. Foi quando as vozes se tornaram impossíveis de ignorar.
Staglin conta que não conseguia dormir e achava que um muro tinha caído dentro de sua cabeça, deixando o lado direito oco. “Eu senti que tinha perdido metade do meu espírito”. Ele lembra que chegou a cobrir seu olho direito com a mão, com medo de que uma nova personalidade fosse preencher o vazio.
O pensamento delirante, como este, muitas vezes é acompanhado de vozes e de outras alucinações. É um sintoma clássico da psicose que predomina entre as pessoas com esquizofrenia.
Travis Webster na casa de sua mãe em La Jolla, Califórnia.
Travis Webster também teve seu pior momento quando ele tinha 18 anos, em 2013. Diagnosticado com transtorno esquizoafetivo, que combina a psicose com humor selvagem, ele deixou de tomar uma medicação. Isso levou a um conflito com seus pais, pensando que os mesmo estavam conspirando contra ele, apesar dos esforços por parte dos pais em tentar ajudar. Ele já havia entrado com um processo judicial para obter uma medida de restrição contra a sua família quando dois policiais e um assistente social bateram à sua porta no centro de San Diego (Califórnia).
As coisas rapidamente saíram do controle na medida que ele resistia às tentativas dos policiais para contê-lo. “Eu tinha 1,95m de altura e 100kg”, lembra Webster. Ele deu um soco no rosto de um deles e foi condenado a dois meses de prisão.
Mas hoje a vida ficou melhor para ambos. Atualmente, a psicose é controlada por medicação e eles se tornaram defensores da saúde mental: Staglin ajuda a administrar o Instituto Uma Mente – uma organização de pesquisa criada por sua família produtores de vinho na Califórnia – e Travis fala sobre suas experiências em escolas locais. Silenciar as vozes e banir os delírios, no entanto, não significa que tudo ficou tudo perfeito. Ambos eram bons alunos, mas suas notas entraram em queda livre quando foram afetados pela psicose. E mesmo depois que os sintomas foram controlados, eles ainda tem muitas dificuldades para se concentrar nos estudos.
Alucinações e delírios podem ser a face pública da esquizofrenia, mas os sintomas cognitivos ocultos – que incluem a dificuldade em se concentrar em tarefas mentais, compreender a fala, e lembrar-se com precisão do que aconteceu – faz com que seja muito difícil ter uma vida produtiva e satisfatória.
“Eles podem ouvir vozes e aprender a ignorá-las”, diz Cameron Carter, professor da Universidade da Califórnia, especialista nos aspectos cognitivos da esquizofrenia. Mas é difícil acompanhar conversas das pessoas se você literalmente não pode processar o que elas estão dizendo.
Entretanto, Staglin e Travis – juntamente com dezenas de outros voluntários – encontraram um alívio ao praticar jogos de computador destinados a reforçar as suas capacidades mentais. Eles participaram de estudos conduzidos por Sophia Vinogradov (foto abaixo) e seus colegas da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que realizam pesquisas na área de neuroplasticidade – o conceito de que o cérebro muda em resposta à forma como ele é usado. Isto significa que os circuitos neurais podem ser reforçados através de treinamento mental, assim como um atleta constrói seus músculos ao malhar na academia.
Os jogos computadorizados foram projetados por neurocientistas da empresa Posit Science, sediada na Califórnia. A empresa tem como diretor-científico um dos pioneiros da neuroplasticidade, o médico PhD Michael Merzenich, também professor da Universidade da Califórnia.No Brasil e países de língua portuguesa, os jogos são disponibilizados pela NeuroForma Tecnologias®, empresa sediada no Rio de Janeiro, sendo traduzidos e adaptados ao português sob a supervisão do médico PhD Rogério Panizzutti, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Eles ajustam a sua dificuldade automaticamente para que os jogadores obtenham sucesso em apenas cerca de 80% das tarefas. Ao melhorar o seu desempenho, o jogo fica mais difícil. Se a sua concentração desliza, as tarefas podem ficar um pouco mais fáceis até que você recupere seu ritmo. É como ter um personal trainer na academia, mantendo-o na zona correta para construir a força e fitness, sem faltar ou treinar demais. E como um regime de aptidão física, a melhora só vem com a persistência. Os estudos de Sophia Vinogradov normalmente envolvem até 50 horas de treinamento no espaço de 8 a 10 semanas.
“Se você não fizer o treinamento de forma intensiva, você não vai obter os mesmos resultados”, ressalta Vinogradov. “Você precisa voltar a cada três dias, e fazer suas repetições novamente.”, completa a neurocientista. Confira aqui o estudo que está sendo feito na mesma linha de pesquisa com pacientes portadores de esquizofrenia e transtornos cognitivos leves no Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
Depois de seu primeiro episódio psicótico, Staglin voltou às suas aulas no Dartmouth College em New Hampshire, mas suas notas despencaram. Ele finalmente foi capaz de melhorar suas notas, mas ao custo de se isolar socialmente e dedicar quase toda a sua energia mental para os estudos. A leitura era um grande esforço. Sentia-se socialmente desajeitado e conta que se esforçava para fazer amigos.
Após a faculdade, Staglin trabalhou para uma empresa de engenharia de satélites em Palo Alto, Califórnia, e estava pleiteando uma vaga para a pós-graduação no MIT quando a pressão se tornou grande demais novamente. “Eu tive que renunciar ao meu trabalho. Eu não conseguia focar. Não conseguia me concentrar “, lembra ele.
Assim, no final dos anos 1990, Staglin participou de alguns dos primeiros experimentos de Vinogradov, que foram projetados para ajudar as pessoas com esquizofrenia a compreenderem a fala e outros sons. Entre outras tarefas, ele teve que dizer se um tom rapidamente subia ou descia como é o caso do exercício Ondas Sonoras disponível em nossa plataforma on-line. Staglin diligentemente fez suas repetições e viu surgirem os benefícios depois de muitos anos de luta com os sintomas cognitivos da esquizofrenia.
Para Staglin, perceber que estava ficando melhor nessas tarefas aumentou sua confiança. Como seu desempenho melhorou, tornou-se mais extrovertido. “Não tenho dúvidas que é por causa dos benefícios cognitivos de ser capaz de perceber e compreender conversas melhor”, disse ele.
Apesar dos benefícios da experiência inicial para Staglin e outros voluntários, demorou vários anos para que a pesquisa ganhasse financiamento. Em seu primeiro grande estudo, publicado em 2009, a equipe de Vinogradov convidou pessoas com esquizofrenia para visitar o seu laboratório e jogar uma variedade de jogos para melhorar a forma como eles entendem os sons. Além do exercício de distinguir “os tons de subida ou descida”, eles também praticaram exercícios de distinção entre sílabas distorcidas contendo sons semelhante, além de exercícios mais complexos, como lembrar detalhes de conversas “jogadas” na tela.
Os voluntários que tinham treinado com esses exercícios, posteriormente realizaram testes em que eles tinham que lembrar as palavras. Eles tiveram melhor desempenho do que um grupo de controle participante da pesquisa e que havia treinado somente em jogos de quebra-cabeça. Eles também se saíram melhor em testes gerais de capacidade cognitiva. Surpreendentemente, os ganhos foram cerca de duas vezes maiores que aqueles tipicamente relatados em estudos de treinamento cognitivos anteriores. E os benefícios ainda podiam ser verificados seis meses depois.
Devido a esse sucesso inicial, a neurocientista Sophia Vinogradov e seus colegas têm estudado e testado diferentes jogos de treinamento que trabalham também circuitos cerebrais responsáveis por processar informações sociais – por exemplo, pedindo voluntários para ler as emoções em imagens de rostos de pessoas. Os pesquisadores também tentaram intervir no início da doença (assim como Staglin e Travis, a maioria das pessoas que tem esquizofrenia sofre seu primeiro episódio ainda jovem)
No ano passado, no Congresso Internacional de Pesquisa em Esquizofrenia, em Colorado Springs, a equipe de Vinogradov informou que o treinamento fez mais do que aumentar as habilidades cognitivas de jovens recém-diagnosticados: ele também pareceu reduzir a gravidade dos seus sintomas psicóticos, medidos seis meses mais tarde.
Isso não significa que o treinamento cerebral pode substituir as drogas que controlam as alucinações e os delírios. Mas sugere que os jogos computadorizados cientificamente projetados podem ajudar a proteger o cérebro da “fiação rompida”, que se acredita ser a principal causa dos sintomas da esquizofrenia.
Os pesquisadores querem transformar as melhorias cognitivas em fatores reais de mudança de vida, mas ainda não está comprovado se o treinamento pode fazer uma grande diferença no que se trata de manter um emprego por exemplo. Vinogradov acha que isso pode exigir uma combinação dos jogos de computador com outros tratamentos, como a terapia ocupacional, a fim de ajudar as pessoas com esquizofrenia a gerenciar as tarefas diárias, e também com baixas doses de drogas estimulantes, que podem melhorar o foco.
Travis se envolveu na pesquisa de Vinogradov somente no ano passado (2015), como voluntário do estudo que está testando se o treinamento funciona com o uso de um tablet iPad – para que os jovens com esquizofrenia possam realizar seu treino de casa ou qualquer outro lugar com conexão à Internet.
Assim como Staglin, Travis tinha dificuldades com tarefas mentais e sentia-se socialmente isolado. Estes problemas foram agravados, lembra ele, por várias concussões durante o seu tempo na cadeia, quando ele foi espancado por outros internos.
“Eu começava a fazer a lição de casa e não conseguia continuar”, diz Travis. “Ficava extremamente irritado nesse estado”, completa ele.
Travis conta que vem sentindo o treinamento com os jogos computadorizados no tablet ajudar bastante. “Eu comecei a perceber que eu estava menos ansioso, inclusive quando estava em público”, lembra ele. “Meus pensamentos tornaram-se mais organizados”, ressalta.
Jogos projetados para ajudar um usuário a compreender o que se está vendo, aprimoram a visão periférica e tem o potencial de aumentar a consciência durante conversações. A mãe de Travis notou que ele passou a responder mais rapidamente – anteriormente suas conversas eram pontuadas por longas pausas.
Ainda assim, Travis, muitas vezes interrompia os jogos antes do tempo porque ele achava os exercícios chatos. “Eu deveria fazer cinco horas por semana. Eu acabava fazendo três”, disse ele. “Com a esquizofrenia, é muito comum ter falta de motivação”, resume.
Intervenção preventiva
A equipe da neurocientista Sophia Vinogradov agora está se concentrando em intervir ainda mais cedo, em jovens que ainda não tiveram um episódio psicótico completo, mas que estão começando a se comportar estranhamente ou que têm dificuldade em distinguir os sonhos da realidade. Os pesquisadores já demonstraram que o treinamento ajuda os jovens em alto risco de desenvolver psicose a ficarem melhores para se lembrar das palavras e das coisas, o que já é um grande avanço para não perderem a conexão com a realidade.
Mas a ideia de iniciar o tratamento antes que as pessoas tenham tido um surto psicótico completo é controversa. A Síndrome de Psicose Atenuada que se destina a descrever as pessoas em risco de desenvolver esquizofrenia, foi rejeitada como um novo diagnóstico psiquiátrico em 2012. Os críticos argumentavam que mais de 70% dos jovens que têm pensamentos estranhos e alucinações menores não desenvolverão a patologia. Eles se preocupavam com a possibilidade desse diagnóstico se tornar comumente aceito, o que poderia levar a uma expansão enorme e injustificada na prescrição de poderosas drogas antipsicóticas.
Fazer com que os jovens joguem jogos de computador não desperta os mesmos medos. “O treinamento cognitivo é provavelmente benigno o suficiente”, segundo Allen Frances, da Duke University, que liderou a oposição ao diagnóstico proposto em 2012. Mas ele continua preocupado com os jovens que nunca desenvolveriam a esquizofrenia, pois estes poderia ficar estigmatizados por um rótulo “de risco”.
Travis, por sua vez, conta que gostaria muito de ter tido a oportunidade de acesso precoce a todos os tipos de tratamento. Ele começou a ter problemas de concentração a partir da idade de 14 anos, e foi difícil para se socializar com outras crianças principalmente a partir daí. “Eu acho que minha vida teria sido diferente”, ressalta ele, “se tivessem diagnosticado essa doença antes de ter um episódio completo”, completa.
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