Quando o cérebro humano poderá ser armazenado em um computador?

No futuro, será possível “enviar” o cérebro humano para um computador? E quando isso deve acontecer? Essas são dúvidas cada vez mais comuns no mundo de hoje. Em um artigo publicado no site The Conversation, Guillaume Thierry, professor de Neurociência Cognitiva da Universidade de Bangor, do País de Gales, debate essas questões.


Segundo ele, é comum imaginar que “a consciência humana é tão simples quanto a entrada e a saída de sinais elétricos dentro de uma rede de unidades de processamento – portanto, comparável a um computador”. Mas a realidade é mais complicada. “Para começar, não sabemos quanta informação o cérebro humano pode conter”, destaca ele.

A extração e o armazenamento dos dados são outros pontos de atenção. Thierry pontua que um estudo realizado por uma equipe do Allen Institute for Brain Science, de Seattle, mapeou a estrutura 3D de todos os neurônios (células cerebrais) que compõem um milímetro cúbico do cérebro de um camundongo.

Nesta tarefa, foram exigidos dois petabytes, ou dois milhões de gigabytes de armazenamento e, os microscópios automatizados utilizados tiveram que coletar 100 milhões de imagens de 25.000 fatias da amostra minúscula continuamente ao longo de vários meses. Se esse é o volume de apenas um milímetro cúbico de cérebro de camundongo, imagine o quanto seria o do cérebro todo de um humano.

E há mais desafios. Segundo o professor, “para que um computador se assemelhasse ao modo de operação do cérebro, ele precisaria acessar toda e qualquer informação armazenada em um período de tempo muito curto: a informação precisaria ser armazenada em sua memória de acesso aleatório (RAM), em vez de discos rígidos tradicionais”.

Thierry pontua que o cérebro humano contém cerca de 100 bilhões de neurônios, o que equivale a um milhão de vezes os contidas no milímetro cúbico de cérebro de camundongo. “E o número estimado de conexões é de impressionantes dez elevado a 15. Isso é dez seguido de 15 zeros – um número comparável aos grãos individuais contidos em uma camada de areia de dois metros de espessura em uma praia de 1 km de extensão”, comparou.

Espaço suficiente
Para fazer o armazenamento de informações, é fundamental ter espaço suficiente antes de começar o processo. Caso contrário, seria preciso saber exatamente a ordem de importância do que será guardado, algo complicadíssimo quando se trata do cérebro.

“Se você não souber quanta informação precisa armazenar ao iniciar, poderá ficar sem espaço antes que a transferência seja concluída. Isso significa que a sequência de informações pode estar corrompida ou impossível de ser usada por um computador”, avalia o professor. “Além disso, todos os dados teriam que ser armazenados em pelo menos duas (se não três) cópias, para evitar as consequências desastrosas de uma possível perda de dados.”

E, novamente, este não é o único problema. No estudo com o camundongo, o armazenamento das informações foi feito a partir da coleta de 25.000 fatias (extremamente finas) de tecido cerebral. Nos humanos, a mesma técnica teria que ser aplicada. Mas será que alguém permitiria que seu cérebro fosse cortado dessa maneira?, questiona Thierry.

Questão de tempo
Ao longo da vida, nosso cérebro envelhece e aí surge outra questão: será preferível armazenar uma mente de 20 anos ou de 80 anos? Ao optar pela primeira situação, corre-se o risco de perder muitas memórias e experiências construídas com o tempo. Porém, ao tentar a transferência para um computador tarde demais, pode ser que o cérebro tenha alguma demência e não funcione tão bem.

Levando em conta que ainda não é possível saber quanto armazenamento é necessário, que é preciso esperar encontrar tempo e recursos suficientes para mapear inteiramente a estrutura 3D de um cérebro humano, que seria necessário cortá-lo em zilhões de cubos minúsculos e fatias e que é essencialmente impossível decidir quando realizar a transferência, o professor afirma que esse processo não será viável por um bom tempo – ou talvez nunca.

Mas ele não encerra o assunto aí. Para o especialista, mesmo que todos os obstáculos citados sejam ultrapassados, ainda se sabe muito pouco sobre os mecanismos subjacentes. “Depois da pergunta ‘o quê’ (que informação existe?) e da pergunta ‘quando’ (quando seria o momento certo para transferir?), a mais difícil é a pergunta ‘como’.”

A partir saí, entra em cena a forma como os neurônios se comunicam. A fim de saber quais tipos de conexão se aplicam entre dois neurônios, teria de ser usadas técnicas moleculares e testes genéticos. “Isso significa novamente fixar e cortar o tecido em fatias finas. Muitas vezes também envolve técnicas de tingimento, e o corte precisa ser compatível com elas. Mas isso não é necessariamente compatível com o corte necessário para reconstruir a estrutura 3D”, explica Thierry.

“E a forma como os neurônios se comunicam é mais uma camada de informação, o que significa que será preciso muito mais memória do que a quantidade incalculável anteriormente prevista. Portanto, a possibilidade de enviar as informações contidas nos cérebros para os computadores é totalmente remota e pode estar para sempre fora de alcance”, completa.

Fonte: Revista Época