O flash criativo que acontece no cérebro na transição da vigília ao sono

pngtree-2021-creative-sense-business-label_5487750

Reza a lenda que Thomas Edison, o inventor, usava e recomendava um recurso meio mágico para estimular o surgimento de suas ideias criativas. Esparramava-se em uma poltrona segurando em cada mão uma bola, e perdia-se em pensamentos até bambear de sono. Logo suas mãos relaxavam, as bolas caíam no chão e, com o barulho, Edison acordava. Nesse momento, espocava nele um flash criativo, e uma nova invenção surgia. Consta que assim faziam também Edgar Allan Poe, o romancista, e Salvador Dalí, o pintor. O que eles não imaginavam é que, quase um século depois, o truque mágico deixaria de ser mágico e se tornaria um recurso cognitivo validado pela neurociência.

É o que descrevem pesquisadores do Instituto do Cérebro da Sorbonne em recente artigo. Disposto a esclarecer as bases científicas do truque de Edison, o grupo formulou a hipótese de que a transição da vigília para o sono é que propicia essa capacidade, colocando o cérebro em “modo criativo”. Para isso, bolaram um experimento revelador. Propuseram a cerca de 100 voluntários sadios um problema matemático simples: após uma série de oito números cuja sequência obedece a uma lógica oculta, qual deve ser o nono número? Os voluntários matutavam como Edison, em uma poltrona confortável, com um objeto na mão. Só que, no experimento, a atividade elétrica cerebral era captada por meio do eletroencefalograma, os movimentos oculares monitorados pelo eletrooculograma, e a atividade muscular acompanhada pelo eletromiograma. Completamente conectados. Eram três grupos de voluntários: o primeiro permanecia acordado, o segundo adormecia até estágios mais profundos e o terceiro entrava no primeiro estágio de sono, chamado N1, e despertava. Estes últimos seguravam uma garrafinha com a mão direita, que caía para acordá-los.

A coisa funcionava assim: primeiro, o problema lhes era apresentado algumas vezes. Pensavam na solução enquanto o clima da sala de experiência lhes fazia permanecer acordados ou lentamente adormecer. Os aparelhos indicavam isso, atestando a vigília ou o estágio do sono, em tempo real. No grupo N1, os registros acusavam o relaxamento muscular, e, de repente, a garrafinha caía, e o cérebro acordava. Os pesquisadores então apresentavam novas sequências de oito números solicitando a todos os voluntários que preenchessem o nono número de acordo com a regra oculta. Demorava para surgir a solução, mas acabava aparecendo. Quer dizer: só para o grupo da garrafinha.

Foi possível tirar conclusões incríveis. Primeiro, apenas um minuto de N1 era suficiente para aumentar de 3 a 6 vezes a percentagem de voluntários que descobriam o segredo dos números. Quase 90% deles, contra 30% do grupo acordado, e 15% do grupo do sono profundo. Confirmando a maior eficácia na resolução do problema, o grupo N1 relatava a sensação de ter tido um flash inspirador, um insight. Nada disso se passava nos dois outros grupos de voluntários, que acabavam o experimento sem conseguir descobrir o segredo da série numérica.

Que será que acontece no cérebro nessa transição da vigília ao sono? A pessoa primeiro tem episódios de “microssono” que depois se fundem em sono mesmo, ainda no estágio superficial N1. Por aí surge o surto criativo que fica na memória até o momento posterior de tentar resolver o mistério dos números. A memória segura esse “eureca” por cerca de 30 minutos, período em que os voluntários faziam as suas tentativas até o sucesso. Nada acontecia nos demais participantes: nenhum insight. Não se sabe ainda por que esse período de transição da atividade cerebral propicia o “milagre” de Edison, quais os malabarismos das redes neurais que explicam o fenômeno.

Mas o fato é que já estão à venda dispositivos eletrônicos portáteis para colocar no pulso, desenvolvidos pelo MIT Media Lab, nos EUA, e comercializados para estimular a criatividade. Ao contrário do esperado, mais inova quem dorme no ponto.

Conheça na nossa plataforma de treinamento cognitivo digital exercícios que ajudam a sintonizar o seu cérebro. Acesse e confira todas as informações: bit.ly/neuroforma