Doutor em biologia e monge ensina como treinar o cérebro e ser mais feliz

03 de Junho, 2015 –

A chave da felicidade pode estar no treino cognitivo?

Monge eletro

 

Há 40 anos, Matthieu Ricard abandonou sua carreira acadêmica e mudou-se para a região do Himalaia, onde tornou-se monge. Há 15 anos, ele vem participando de pesquisas sobre os efeitos da compaixão, do altruísmo e da meditação no cérebro humano.

 

No final do mês passado, Matthieu Ricard esteve no Brasil para lançar seu novo livro A Revolução do Altruísmo. Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, o monge budista – que também é doutor em biologia molecular – revela resultados de diversos experimentos científicos do qual participou e dá dicas de como treinar o cérebro para ser mais feliz. Confira abaixo.

 

Folha – Você é apresentado como o homem mais feliz do mundo. O que isso quer dizer?

 

Matthieu Ricard – (Risos) Isso não quer dizer nada. Trata-se de uma distorção feita por um jornal britânico a partir de uma pesquisa científica sobre os efeitos da compaixão, do amor e da bondade no cérebro, da qual participei, feita pelo neurocientista Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin (EUA). Nela, vários meditadores experientes tiveram seus cérebros escaneados durante a meditação, sendo mapeada atividade intensa e muito poderosa nas áreas relacionadas a emoções positivas. O resultado superou tudo o que já havia sido reportado em neurociência, mas não existe base científica para dizer quem é a pessoa mais feliz do mundo.

 

Folha – O que é felicidade, então?

 

Felicidade é bem-estar. Não é busca incessante por sensações prazerosas. Tudo bem querer sentir prazer, mas é algo efêmero. Felicidade é outro negócio: é realização, satisfação e florescimento. Felicidade é consequência de várias qualidades, entre elas a liberdade interior. Não liberdade para você fazer o que quiser, mas em relação a pensamentos que escravizam. Obsessões, ganância, raiva, ciúmes, arrogância. Depois de 15 anos de pesquisas e encontros com cientistas, cheguei à conclusão que o altruísmo é a mais importante das qualidades que compõem a felicidade.

 

Vivemos num mundo em que parece haver mais individualismo, ganância e corrupção que altruísmo. A gente subestima enormemente o fato que, na vida cotidiana, há muito mais gestos de bondade e gentileza que de agressividade ou maldade. Não prestamos atenção no fato de as pessoas se reunirem nas ruas ou no trabalho sem se estapear a cada cinco minutos. Achamos normal. Mas se em uma ocasião apenas dois colegas de trabalho trocarem socos, isso será assunto para o mês todo.

 

Como podemos ser mais felizes e altruístas, então?

 

Se observar o que faz em um dia, vai ver que é gentil na maior parte do tempo. Um estudo suíço pegou mil pessoas e pediu que catalogassem suas atitudes: 75% eram ações positivas; outra porção era neutra e uma fatia mínima era má ou antissocial. Há uma ideia de que somos naturalmente egoístas e individualistas. Pesquisei mais de 1.600 estudos, e isso não encontra respaldo.

 

Como explicar a noção darwinista de que há competição e conflito pela vida e que apenas os mais aptos sobrevivem?

 

Isso é Herbert Spencer (1820-1903), a luta de todos contra todos. Isso não é Darwin, que fala muito mais de cooperação do que de competição. A tendência mais atual do darwinismo é que, além da óbvia competição, a cooperação foi crucial na evolução. Uma pesquisa feita em 35 países perguntou sobre os dez fatores que mais contribuíam para o bem-estar das pessoas, incluindo riqueza, que ficou em sexto lugar. Em primeiro ficou “qualidade das relações sociais”, e isso tem a ver com comportamentos altruístas.

 

É possível treinar o altruísmo? É algo que deveria ser ensinado nas escolas?

 

Com certeza! Há estudos com crianças de pré-escola. Elas recebem treinamento três vezes por semana, por 40 minutos, de atividades de cooperação e meditação. Após dez semanas, o comportamento se altera e a discriminação com quem é diferente diminui. A meditação apresentada às crianças é secular. Não há religião envolvida. Acabei de voltar de um laboratório de neurociência nos EUA, no qual estamos estudando mudanças no cérebro daqueles que praticam meditação. O resultado: 20 minutos diários por um mês já modificam a estrutura e o funcionamento do cérebro, ativando áreas ligadas a emoções positivas e o volume das áreas ligadas à aprendizagem e ao controle emocional.

 

Como você vê a meditação extrapolando a seara espiritual para ganhar a científica?

 

É importante desmistificar o conceito de meditação, muitas vezes visto como algo exótico. Muita gente acha que meditar é esvaziar a mente e relaxar. Bobagem. A palavra em sânscrito e em tibetano significa “cultivar”. Meditar é cultivar um estado mental. É um treino. O segredo é praticar. Quem toca um instrumento tem de treinar e treinar até desenvolver seu potencial. Ninguém espera tocar piano sem treino. Por que esperar que compaixão, altruísmo, liberdade interior e concentração ocorram magicamente? Não faz sentido.

Como faz sentido então…

Enfatizamos muito o treinamento da mente, o budismo tem muito disso. Pesquisas feitas com eletroencefalograma e com máquinas de ressonância magnética estão apontando para os efeitos do treinamento do cérebro, em cima do sistema imunológico, na diminuição de doenças como a depressão. Não há mistério. Treine, de novo e de novo. Você pode começar com algo fácil, como a concentração em um objeto ou em sentimentos de amor que tem por uma determinada pessoa. Se o pensamento desaparece, você o reaviva. Se a mente se distrai, você a traz de volta. Cinco, dez, vinte minutos diários. Isso é meditação. Quanto mais praticar, mais significativas serão as mudanças no cérebro e no seu comportamento.