O cérebro dos poliglotas

jr-korpa-jxb5j1vdwsi-unsplashCertamente você sabe o que é um poliglota. Não há uma definição técnica precisa, mas pode-se considerar aquele que domina entre 2 e 7 idiomas. No entanto, não se espante: há pessoas que falam muito mais que isso, como o Papa João Paulo II (1920-2005), que dominava mais de 10, e o incrível intérprete e diplomata alemão Emil Krebs (1867-1930), que falava e escrevia quase 70 idiomas. São os chamados hiperpoliglotas.

Para a grande maioria dos seres humanos, é natural aprender os idiomas que a família usa em casa. Existem redes neurais que incluem várias áreas do córtex cerebral, principalmente no lado esquerdo do cérebro na maioria de nós, cuja função é essa: aprender a falar e a compreender uma língua. Isso ocorre espontaneamente durante os primeiros anos de vida, fase conhecida pelos neuropsicólogos como “período crítico”, que vai até aí pela adolescência e durante o qual tiramos de letra aprender uma língua. Em muitas famílias, inclusive, falam-se duas ou mais línguas. Essa é a norma em alguns países, como a Bélgica, a Índia, e por aqui o Paraguai, onde todos falam espanhol e guarani. Os linguistas preferem chamar bilíngues as pessoas que aprendem duas línguas durante a infância, e multilíngues as que aprendem mais de duas. O aprendizado de outro idioma é benéfico não apenas para a cognição da criança, como para seu desempenho profissional no futuro.

Só que essa habilidade não desaparece depois da infância. Fica mais difícil, sim, mas é perfeitamente possível estudar e aprender várias línguas durante a vida adulta. É o caso dos poliglotas e hiperpoliglotas. Mas a pergunta inevitável é: como eles conseguem? A questão foi abordada por um grupo de pesquisadores do MIT, nos EUA, e publicada no início deste ano. Como os estudos sobre o funcionamento cerebral em multilíngues renderam resultados controversos, eles resolveram radicalizar: estudaram 8 poliglotas capazes de falar em torno de 7 idiomas, e 9 hiperpoliglotas que sabiam usar com proficiência mais de 10 línguas. Claro que testaram essa capacidade em todos eles, bem como suas características psicológicas básicas: memória, inteligência (QI) e outras. Para comparação, incluíram no estudo experimental 17 monolíngues pareados por idade e sexo, e depois uma base de dados com mais de 200 indivíduos monolíngues anteriormente coletada pelo grupo. O funcionamento cerebral foi aferido por ressonância magnética, durante estímulos diversos incluindo a leitura e a audição de frases com e sem sentido, para testar a compreensão depois.

Aposto que todos vocês esperariam encontrar áreas corticais da rede da linguagem, maiores e mais ativadas no lado esquerdo do cérebro dos poliglotas. Nananinanão. Justo o contrário: as redes linguísticas à esquerda eram menores e menos ativadas durante os testes, sem alterações no lado direito do cérebro. Em outras funções complexas, tudo normal. Nada de diferente do cérebro dos monolíngues no que se refere à memória, inteligência fluida (capacidade de conectar fatos e tirar conclusões), cognição social e capacidade de planejamento.

Como assim? A pessoa aprende a falar 20 idiomas e seu cérebro ativa menos as áreas linguísticas? Parece contraditório, mas segundo os autores, faz sentido se considerarmos que a grande habilidade desses cérebros é aprender os macetes de aprender idiomas. Aprender a aprender. Após o período crítico com maior plasticidade cerebral, o que o cérebro adquire a mais é usar o aprendizado das primeiras línguas para facilitar o das demais, aprendidas depois. Fica mais fácil memorizar sinônimos, significados, construções ortográficas, e tudo mais que é necessário para falar e compreender uma nova língua. Taí uma dica para educadores e famílias sobre a importância do ensino de idiomas. Quanto mais se aprende, menos esforço cognitivo é necessário fazer. O cérebro não é bobo. Aprende a fazer mais com menos.